Como montar uma bela biblioteca para a criança pequena?

Ter acesso à boa literatura desde a mais tenra infância é fundamental para a estruturação do pensamento, o desenvolvimento da linguagem compreensiva e expressiva, a formação do imaginário, e a organização dos afetos. Acontece, porém, que a vida é corrida. Somos diariamente atropelados por diversos afazeres, e o projeto de montar uma boa biblioteca para crianças envolve um considerável esforço de reflexão, pesquisa e seleção. Foi por isso, precisamente, que resolvi ajudar você, com o ebook “Como Montar uma Bela Biblioteca para Seus Filhos (de um a seis anos): Guia Prático e Conceitual”.

Clique aqui para comprar o Guia!

Quem conhece o meu trabalho sabe o quanto ele se pauta por uma atitude de atenção, cuidado e respeito pela pessoa da criança. O Guia segue essa mesma perspectiva, como não poderia deixar de ser. Não se trata apenas de ajudar você a montar uma biblioteca de qualidade para o seu filho. Trata-se, principalmente, de lhe fornecer um suporte conceitual para que essa biblioteca esteja comprometida com uma formação literária pessoal e intransferível.

Se você tem filhos entre um e seis anos e deseja proporcionar a eles esse tipo de experiência, não deixe de adquirir o Guia. São 43 páginas contendo informações, orientações conceituais, dicas práticas e duas listas de livros organizadas por faixa etária. Tudo cuidadosamente pensado e elaborado para que você possa entregar para cada uma das suas crianças, com muita segurança, o que há de melhor no universo dos livros infantis. Da melhor maneira e no melhor momento.

E tem mais. Quem adquire o ebook passa imediatamente a ter acesso ao canal Guia Bela Biblioteca no Telegram, onde, semanalmente, eu compartilho áudios em que falo sobre os livros indicados.

Se desejar fazer o pagamento por Pix, a chave é o meu CPF – 012482547-83. Assim que a transferência tiver sid efetuada, envie o comprovante para o email guiabelabiblioteca@gmail.com, e aguarde a entrega do PDF. 

Como criar conexão com seu filho?

Gustav Klimt, Mother and Child

Houve uma época, quando o meu filho mais velho tinha cerca de seis anos (e o menor ainda não havia nascido), em que, três vezes por semana, eu tinha que trabalhar cedo, e o deixava dormindo. Meu marido só saía depois de encaminhá-lo para a escola, ao meio dia. Mas me incomodava muito passar o dia inteiro longe e, ainda por cima, sem ter me despedido.

Por sorte, li em algum lugar o depoimento de um pai que, diante da mesma aflição, fez o seguinte. Todo dia, antes de sair, ele amarrava uma fita na cabeceira da cama do filho, para simbolizar a sua vontade de estar ali. Como não há vergonha em imitar coisa boa, passei a fazer o mesmo. Lembro perfeitamente daquela fita verde.

Combinei com meu filho que a fita representaria o meu carinho e a minha saudade. Ele adorou a brincadeira, que para mim era muito séria. Tanto que passei a criar estratégias para não esquecer de amarrar a fita. E disse a ele que, caso isso acontecesse um dia, era apenas sinal de que eu saí muito apressada. Felizmente, nunca esqueci.

Não acho que a fita tenha substituído a minha presença. Mas ela intensificou a nossa cumplicidade amorosa. Logo que pude, mudei meu horário de trabalho, e voltei a ficar em casa todas as manhãs, para conversar sobre o sonho da noite anterior, ajudá-lo nos deveres escolares, supervisionar o banho e o almoço, levá-lo à escola.

Mas o meu filho até hoje, doze anos depois, ainda se lembra da fita verde.

(Fica a dica.)

Quer estudar comigo?

Olá, tudo bem?

Hoje eu não estou te enviando um artigo. O assunto aqui é um convite, um convite muito especial e importante para mim.

Se você assina o meu blog, já conhece o meu trabalho, e sabe que, ao longo desses quase seis anos nas redes sociais, tenho me dedicado a refletir e escrever artigos, crônicas e ensaios sobre temas educacionais e culturais pontuais e diversos. Agora, pretendo dar um passo além.

Quero formar um grupo de pessoas interessadas em educação, que estejam dispostas a estudar e refletir sobre educação a partir da pergunta: “como se forma uma pessoa?” O convite é para que você venha buscar essa resposta junto comigo. É um convite ao estudo e à reflexão.

Vamos abordar essa questão por vários ângulos diferentes, estudando desde as teorias do desenvolvimento até a antropologia filosófica, passando pela história da educação e pela literatura. Em resumo, faremos, juntos, estudos de psicologia, história, literatura e filosofia, tentando chegar o mais próximo possível do entendimento do processo de formação de uma pessoa, desde o nascimento até a velhice.
 
Para colocar esse projeto em prática, vou abrir uma vertente paga em minha newsletter no Substack. Costumo compartilhar com os meus leitores do Substack ensaios e crônicas gratuitos sobre tópicos relacionados a arte e cultura. Eles continuarão sendo enviados periodicamente, ou seja, a newsletter gratuita não deixará de existir, mas a partir de agora os textos gratuitos serão intercalados com textos exclusivos para quem fizer a assinatura na modalidade paga, que será somente sobre educação. Da mesma forma, o blog Infância Bem Cuidada continuará sua missão de orientar pais e educadores no cuidado cotidiano com as crianças.
 
Venha comigo, vai ser algo inédito! Os estudos começam no mês que vem e não têm prazo para terminar. Inicialmente, minha comunicação será apenas por texto, mas à medida em que o grupo inicial de assinantes estiver tomando forma e eu puder identificar um perfil mais nítido, pretendo criar canais para discussão, no próprio Substack e fora dele. Minha intenção é formar uma comunidade de alunos interessados no tema da educação.  E além de terem acesso às minhas reflexões quase em tempo real, os assinantes da modalidade paga terão descontos exclusivos em quaisquer cursos ou ou produtos que eu ofereça em qualquer uma de minhas redes.

A inscrição para a modalidade paga já está habilitada. Para saber os detalhes, siga os seguintes passos: clique no link abaixo, que vai direcionar você para uma newsletter-convite no Substack. Se você ainda não for assinante, precisará fazer o log in. Uma vez no Substack, para participar do grupo espacial sobre educação, você precisará fazer a opção pela mensalidade paga, anual ou mensal. Qualquer dúvida, entre em contato pelo email infanciabemcuidada@gmail.com.

CLIQUE AQUI PARA PARTICIPAR

Espero você! E peço, por favor, que compartilhe esse convite com amigos e parentes que possam se interessar!

Um abraço!

Por que devemos nomear as emoções para a criança?

A educação da afetividade tem estado entre os principais temas tratados neste blog. Em artigos anteriores, mostrei a natureza e a função desse trabalho parental nos primeiros seis anos de vida. Para ler, clique aqui e aqui, Na sequência desse assunto, hoje vou fazer um pequeno complemento, explicando o quanto é importante aproveitar as situações do dia a dia para ajudar a criança a identificar as suas próprias emoções.

Sabemos que dar nome aos objetos do mundo é o primeiro passo no processo de conhecê-los. E com a realidade psíquica não é diferente. Por isso, quando a criança experimenta emoções como alegria, raiva, tristeza ou medo, é importante que a ajudemos a compreender o que ela está sentindo. Porém, devemos estar sempre atentos para o risco de criar realidades emocionais que não existem. É comum que os pais ou cuidadores projetem sobre a criança os seus próprios padrões afetivos, antecipando emoções que a criança (ainda) não está experimentando. Ajudar a criança a reconhecer suas emoções depende de se conhecer verdadeiramente a criança, de observá-la com cuidado e atenção.

Outro ponto importante é o seguinte. Quando falamos em educação afetiva, não estamos tratando somente de identificação e expressão de emoções e sentimentos. Estamos falando também de autocontrole e autotranscendência. É muito importante que a criança seja gentilmente levada a perceber que existe uma instância de nossa pessoa a que damos o nome de “vontade”, e que a vontade deve ser exercida sempre na direção do que é bom e justo. As emoções e os sentimentos muitas vezes impedem o livre exercício da vontade e é por isso – sobretudo – que precisamos identificá-los e conhecê-los. Quando conhecemos o nosso sistema emocional, tornamo-nos mais capazes de administrar nossas emoções e fazer com que elas atuem como alavancas para a vontade, e não como obstáculos. Se o trabalho de educação afetiva não for guiado por essa perspectiva, corremos o risco de aprisionar a criança em uma estrutura de sentimentalismo egoico. Ao invés de administrar suas emoções para melhor se relacionar com o mundo e com os outros, ela se torna autorreferenciada e perde a conexão com a realidade à sua volta.

Mas veja bem: as estruturas neurobiológicas que possibilitam o autocontrole e o livre exercício da vontade só se consolidam ao final da adolescência, por volta dos 20 anos de idade. Portanto, não espere desse trabalho de educação afetiva efeitos imediatos. A natureza tem seu próprio tempo. Precisamos ajudá-la, mas pensando no médio e no longo prazo. O desenvolvimento da autoconsciência é um trabalho para a vida toda e cada pessoa construirá a sua própria trajetória. Você vai apenas dar ao seu filho algumas ferramentas iniciais, emprestando-lhe um pouco da sua experiência e do seu conhecimento do mundo, para que ele desenvolva os seus próprios recursos de autorregulação e se torne um adulto capaz de exercer o domínio sobre si.

Como ajudar a criança a conquistar o autocontrole?

Ao longo dos primeiros anos de vida, no curso do processo de seu desenvolvimento afetivo e cognitivo, a criança vai se tornando gradativamente capaz de regular as suas emoções, tanto no que diz respeito às reações fisiológicas quanto ao comportamento social. Essa capacidade de auto-regulação da resposta emocional depende do desenvolvimento e da maturação de certas estruturas neurobiológicas.

Porém, como em tudo o que é humano, a educação, a influência do meio social, o ambiente de vida e, sobretudo, a relação da criança com seus cuidadores, também possuem um papel muito importante. Ou seja: precisamos ajudar a natureza em seu trabalho.

As bases neurobiológicas da auto-regulação emocional só se consolidam ao final da adolescência. Porém, isso não significa que o processo esteja definitivamente finalizado quando se adentra a fase adulta. Ao longo de toda a nossa vida, somos testados e submetidos a desafios emocionais inéditos, que podem nos desestruturar e exigir novas aprendizagens e reformulações. Pode ocorrer também que o processo não seja sido bem realizado, como constatamos ao nos relacionar com adultos imaturos, incapazes de controlar e administrar suas emoções frente a qualquer situação que lhes imponha a menor frustração. Não é muito difícil encontrar adultos que, diante de situações que exigem resiliência emocional, comportam-se como crianças.

Essa imaturidade pode resultar tanto de uma educação falha e ineficiente do ponto de vista da organização afetiva, quanto de problemas de natureza neuropsíquica que impactam os processos regulatórios, como ansiedade, impulsividade, irritabilidade, disfunções sensoriais, entre outros. Mas a questão é complexa, e é sempre muito bom lembrar que a simples observação de um padrão de comportamento emocional disruptivo ou desequilibrado, seja de uma criança ou adulto, não nos permite identificar as suas causas.

Porém, se, por lado, devemos evitar julgamentos desinformados sobre o comportamento de crianças cujas circunstâncias pessoais e familiares não conhecemos, por outro, enquanto pais e cuidadores devemos estar sempre atentos ao nosso papel de coadjuvantes do processo de regulação emocional daquelas que estão sob os nossos cuidados.

Em outras palavras, se é verdade que o fator educacional não é capaz de explicar tudo, isso não significa que ele não tenha uma importância considerável. A pergunta necessária é a seguinte: observado o fato de que, em alguns casos, a família precisará contar com a ajuda de um profissional especializado para melhor conduzir o processo, o que os pais de fato podem fazer para ajudar a criança a desenvolver a capacidade de se auto-regular da maneira mais adequada possível? Qual é a parte que nos cabe? Como devemos atuar para ajudar a natureza? Nesse artigo, vou propor um passo-a-passo que, se bem implementado e adaptado às circunstâncias específicas de cada criança e cada família, pode nos ajudar a colocar em prática aquilo que se costuma chamar de co-regulação emocional. O processo de co-regulação consiste em emprestar a criança o nosso equilíbrio emocional para ajudá-la a construir o seu.

O primeiro movimento é o de exercitar a empatia. Devemos sempre nos esforçar ao máximo para, no contexto de situações de alarme ou stress envolvendo crianças, lembrar que estamos diante de um ser humano em desenvolvimento, que ainda depende em ampla medida dos aportes do meio para ser capaz de se auto-regular. O primeiro passo é, portanto, compreender as motivações do comportamento disruptivo. Quais são as emoções em jogo? Se uma criança se joga no chão e faz uma birra homérica, a nossa capacidade de ajudá-la a extrair daquele episódio uma aprendizagem efetiva, que lhe permita conduzir-se melhor da próxima vez, depende primordialmente de termos compreendido o que se passou em seu campo emocional.

O segundo movimento é o da conexão. No momento da crise, devemos nos fazer presentes, por meio de contato visual e físico, mostrando à criança que o seu descontrole não nos desequilibra, e não nos torna incapazes de ajudá-la. Quando o seu filho tiver uma crise, fique perto, não o ignore. Os contatos visual e físico geram uma sensação de conforto e proteção, e funcionam como pontos de apoio para a criança encontrar o seu equilíbrio. É claro que, para isso, precisamos estar com as nossas próprias emoções sob controle. Para ajudar nossos filhos, é necessária uma boa dose de serenidade e paciência, principalmente nesses momentos mais críticos. Tudo o que uma criança em estado de caos emocional não precisa é que juntemos o nosso caos ao dela.

Depois de acalmar a criança, acolhendo-a com carinho e apaziguando as intensas reações físicas que acompanham os ataques emocionais infantis, podemos então passar ao terceiro movimento, que é o da validação das emoções da criança. Por mais que sejam negativas, as emoções que deram origem à crise não devem ser tratadas como aberrações. Emoções negativas não são exclusividade das crianças. Nós também as temos. A diferença está (ou deveria estar) no fato de nós já termos desenvolvido a nossa capacidade de nos controlar.

Devemos conversar com a criança sobre o que aconteceu, nomear as emoções que estiveram ali presentes e deram origem ao comportamento disruptivo, explicar que essas emoções (medo, insegurança, raiva, frustração, que é um misto de raiva e tristeza) voltarão a aparecer muitas vezes e precisarão ser controladas.

Em seguida, passamos então ao quarto movimento, o de orientação. Aqui, ajudamos a criança a extrair um aprendizado de tudo o que aconteceu, com uma direção clara. Esse movimento só começará a ser realmente efetivo a partir dos 2 anos de idade, e precisará ser modulado de acordo com as motivações da birra. É a hora de nos colocarmos como figuras de autoridade, explicando à criança quais os limites que foram ultrapassados, no caso de uma birra de frustração ou desobediência; ou quais fantasias foram criadas, no caso de um ataque por medo ou insegurança.

O objetivo é levar a criança a compreender que existe uma distância entre o seu pensamento (o que ela quer, o que ela deseja, ou o que ela imagina), e a realidade do mundo, e que essa distância precisa ser respeitada. O recado a ser passado é algo mais ou menos assim: “Não podemos fazer tudo o que pensamos ou desejamos. Do mesmo modo como muitas vezes, criamos fantasmas e problemas que não habitam de fato a realidade.” Diga isso de um modo que seu filho seja capaz de compreender.

Esses quatro movimentos também podem nos ajudar a lidar com as crises emocionais de adolescentes. Quando um adolescente perde o controle, se não formos capazes de nos conectar com ele, mostrar que compreendemos a sua emoção, mesmo a mais negativa, a conversa dificilmente transcorrerá de maneira satisfatória, principalmente se tiver que ser dura. O fato de um adolescente já ter passado por um longo processo de educação não evitará que ele viva algumas crises. A adolescência é um período de transição, em que a vida psíquica passa por um processo de profunda reorganização estrutural. Toda mudança importante gera algum tipo de crise, e mesmo os adolescentes bem resolvidos e educados passarão por momentos emocionais difíceis. Nesses momentos, a nossa ajuda ainda pode ser muito benéfica.

É preciso dizer, contudo, que esses quatro movimentos não compõem uma técnica infalível. O que estou sugerindo aqui, portanto, não é uma fórmula. Antes, é um modelo, que vai lhe ajudar a organizar suas ideias antes de agir, com consciência de seus propósitos e dos efeitos de sua ação no tempo. O sucesso de nossa atuação vai depender de muitos fatores: do estado de nossas próprias emoções no momento, da reatividade emocional da criança e, sobretudo, da intensidade de nossa conexão emocional anterior com ela. Em ampla medida, é a qualidade da nossa relação com a criança que vai definir o quanto ela poderá ser beneficiada pela nossa ajuda

* * *

Links Relacionados:

As crises de oposição da criança: como lidar, o que fazer?

A educação da afetividade nos primeiros seis anos de vi

* * *

Imagem: Cecrope Barilli, Mom and Child, 1870-71.

Por que os pais não devem se desautorizar na frente dos filhos?

Todo mundo concorda que os pais não devem se desautorizar mutuamente na frente dos filhos. Porém, por mais que uma ideia pareça fazer sentido, para que ela possa funcionar como um guia para o nosso comportamento, é importante que sejamos capazes de compreender a fundo suas implicações. Afinal, por que os pais não devem se desautorizar mutuamente na frente da criança? Você já parou para pensar seriamente nisso? Já refletiu sobre as consequências que esse tipo de situação traz para a educação de seu filho?

Em primeiro lugar, quero esclarecer o que estou querendo dizer com a palavra “desautorizar”. Imagine que a mãe (ou o pai) está dando uma ordem, um conselho, um limite, ou simplesmente repreendendo o filho. Se o cônjuge interfere, opondo-se ou questionando essa ação ou discurso na frente da criança, ele está contribuindo para minar as bases da autoridade do outro. Isso é desautorizar. E essa atitude pode ter consequências a curto, médio e longo prazo.

Para que possamos compreender exatamente porque isso é tão prejudicial para a criança, é preciso refletir um sobre o próprio objetivo da educação doméstica. Já falei algumas vezes aqui no blog que educar uma criança consiste em elevá-la acima de si mesma, e que isso implica, em ampla medida, ajudá-la a aceitar limites, adiar prazer, controlar impulsos e desejos. Quanto mais a autoridade dos pais é percebida pela criança como algo legítimo, mais fácil será para ela conquistar o autodomínio e aprender a obedecer. É como se ela pudesse contar com uma força externa, que a puxa na direção almejada pelos pais e torna razoável e inquestionável a necessidade de seguir as suas orientações.

Vamos recuar um pouco no tempo para olhar com mais cuidado esse ponto. Antigamente, a maioria das mães permanecia em casa enquanto os pais saíam para trabalhar. A educação das crianças na esfera doméstica era da alçada da mulher. Mas ela podia recorrer à autoridade do marido toda vez que a sua própria autoridade se mostrava fraca. Era muito comum, em tempos passados, que as crianças ouvissem a mãe dizer: “quando seu pai chegar, vou contar para ele o que você fez!” Embora o pai ocupasse o lugar de autoridade máxima, ele delegava a autoridade doméstica para a mãe e estava disposto a fazê-la valer. Em suma, a criança sabia que tinha que obedecer à mãe, e que esta última podia contar com o aval do pai.

Sei que essa descrição é um pouco simplista, e não compreende todos os matizes e gradações que havia nas diversas realidades de outros tempos. Se me permito generalizar desse modo é porque o meu propósito é apenas o de estabelecer um contraste com a situação que vivemos hoje. Quero deixar bem claro, também, que não estou idealizando o passado. Sabemos que a autoridade central do pai nem sempre era exercida de maneira justa, e que ocorria de mulheres e crianças sofrerem abusos que hoje não toleramos. Mas o ponto para o qual quero chamar atenção aqui é que as mudanças culturais ocorridas nas últimas décadas, e em especial aquelas que incidem sobre as relações entre os cônjuges no interior da família, trouxeram, junto com o igualitarismo que tanto prezamos, algumas questões que ainda precisam ser equacionadas no que diz respeito à educação dos filhos.

Hoje em dia, a autoridade do pai e da mãe se distribui de maneira horizontal e simétrica no ambiente da casa. No modelo de família sob o qual vivemos hoje, não há hierarquia. Quando um ou outro possui mais autoridade de fato, isso se deve provavelmente a questões de temperamento e vocação educacional, e não ao modo como os papéis estão socialmente organizados. Mas o ponto que nos interessa aqui é que, nesse novo cenário, a criança tem que lidar com duas figuras de autoridade, que nem sempre estão de acordo em relação ao modo como as coisas têm que caminhar.

A criança logo percebe as diferenças no modo como o pai e a mãe se comportam diante das questões relacionadas à educação. Por volta dos três anos de idade, ela já sabe qual dos dois é o mais exigente, e qual é o mais flexível. Isso não é necessariamente um problema. Aprender a lidar com duas figuras de autoridade pode até ser bastante interessante do ponto de vista existencial, desde que resguardadas duas condições: que ambas compartilhem os mesmos valores básicos, os mesmos princípios morais; que cada uma delas seja capaz de respeitar as decisões tomadas pelo outro. E aqui chegamos ao ponto crucial.

Por mais que o pai e a mãe compartilhem os mesmos valores básicos e os mesmos princípios morais, jamais compartilharão de maneira absoluta a mesma visão de mundo. Cada um tem sua própria história afetiva, forjada pelas experiências vividas no contexto de sua família de origem. Ou seja, cada um traz para o convívio com os filhos a memória dos exemplos e preceitos que guiaram a sua própria educação. Isso significa que, em muitos momentos, suas perspectivas vão divergir e eles vão discordar.

Essas divergências são inevitáveis. E, por isso, é importante que haja sempre espaço para o diálogo sobre métodos e decisões educacionais. O casal pode até discutir de maneira enfática e calorosa. Isso é normal e acontece nas famílias mais harmoniosas. Porém, é muito importante que se tome cuidado para que essas discussões não ocorram na frente dos filhos. Mesmo que um limite pareça exagerado e uma bronca pareça injusta, a melhor estratégia de quem discorda é esperar até o momento em que a questão possa ser discutida sem a presença da criança. Não se trata de fingir para as crianças que o pai e a mãe estão sempre de acordo. E sim de fazer com que percebam que, mesmo que haja pontos de discordância, o apoio será mútuo, porque, pensem o que pensarem, façam o que fizerem, ambos estão sempre comprometidos com o bem dos filhos.

É claro que isso só vale porque estamos falando de pais que tratam os filhos com carinho, que se dedicam genuinamente, não praticam excessos de autoridade, não são negligentes, nem cometem abusos físicos ou morais. Se você está lendo esse texto, se você segue uma página de educação de crianças, é porque seus filhos são prioridade em sua vida e provavelmente também na de seu cônjuge. Por isso, sinto-me segura para afirmar que é melhor você ficar em silêncio do que interferir. Desde que não se tratar de algo grave o suficiente para colocar em risco o bem estar físico e emocional da criança, desautorizar o outro será mais prejudicial do que aguardar o contexto oportuno para discutir o assunto e tentar reconduzir a situação. E isso por três motivos.

O primeiro motivo diz respeito ao próprio fundamento da autoridade. A criança não é capaz de entender a racionalidade de uma regra se ela for imediatamente exposta ao seu contraditório. E no momento em que ela questiona a racionalidade do limite, passa a questionar também a autoridade de quem o estabeleceu. A autoridade parental precisa se apoiar sempre na razão. Devemos ser capazes, o tempo todo, de apresentar à criança uma explicação que justifique as nossas ordens. (Entenda bem: não estou dizendo que precisamos explicar tudo o tempo todo, e sim que é importante que haja uma explicação e que ela seja clara para nós.) E se uma ordem dada por um dos pais é imediatamente questionada pelo outro, o que ocorre é uma diminuição do nível de confiança da criança na figura de autoridade. É como se a criança pensasse assim: “Se o papai acha que a mamãe está errada, se ele precisa me defender, é porque nem tudo o que a mamãe faz é para o meu bem.”

A criança que vive submetida a mensagens diversas e contraditórias fica confusa, perdida, e essa falta de referência pode estar na origem de uma série de comportamentos neuróticos. Além disso, e aqui chegamos ao nosso segundo motivo, dependendo do temperamento da criança, ela pode começar a desenvolver estratégias de manipulação. Nem todas as crianças farão isso, mas aquelas que já possuem uma tendência a manipular situações, não hesitarão, para conseguir o que querem, em jogar o pai contra a mãe e vice-versa. E eu não preciso dizer o quanto isso será ruim para o seu próprio desenvolvimento como pessoa. É triste, mas é verdade: existem famílias em que os próprios pais criam condições para que a criança se torne uma pessoa manipuladora.

Por fim, o terceiro motivo pelo qual os pais não devem se desautorizar na frente dos filhos é que esse tipo de atitude pode gerar insatisfação, ressentimento e, por conseguinte, dar origem a conflitos desgastantes para a relação do casal. Sabemos o quanto é importante, para uma criança, crescer em um ambiente de harmonia e, quando desautorizamos frequentemente o nosso cônjuge na frente de nossos filhos, estamos contribuindo para que essa harmonia se torne algo ainda menos factível. Ao se perceber como pivô de conflitos frequentes entre os pais, a criança pode reagir de duas maneiras: tornando-se, como eu já disse, uma pessoa manipuladora, ou alimentando sentimentos de culpa ou remorso. Para a maioria das crianças, é difícil lidar com o fato de estarem no centro de uma briga entre as duas criaturas que elas mais amam no mundo.

* * *

Imagem:
Constantin Émile Meunier (1831-1905), “Les Deux Amis”.

Mestre é aquele que ensina

Mestre é aquele que ensina, e triste é a sociedade na qual isso ainda precisa ser afirmado. 

*          *          *

Fala-se muito, hoje em dia, que o professor deve exercer o papel de mediador entre o aluno e o conhecimento. Não concordo. E é nesse tipo de conceituação – cuja origem pode ser retraçada desde as críticas do movimento da Nova Escola à pedagogia tradicional, no início do século xx – que reside, a meu ver, a chave para a compreensão do grave problema educacional com o qual nos deparamos hoje. O movimento da Escola Nova era muito amplo e tinha lá os seus méritos, que devem ser entendidos à luz do contexto sociocultural em que ele foi produzido. Mas a influência que exerceu sobre a visão do papel do professor foi, sem dúvida, um dos grandes desserviços que prestou à educação.   

Quando se fala em crise da educação, há muita coisa a ser discutida. Não é minha intenção aqui discutir tudo. E também não é minha intenção passar a ideia de que não havia problemas na educação escolar antiga: autoritarismos, excessos disciplinares, desrespeito à pessoa da criança. Não estou aqui para romantismos passadistas. Mas o fato indiscutível é que, no processo de crítica, o movimento escola novista jogou o bebê fora junto com a água do banho. E esse erro não será corrigido enquanto não redimensionarmos o papel do professor, purificando a discussão de todas as falácias que costumam rondá-la. Se não restituirmos ao professor o lugar que lhe é devido, continuaremos falhando no objetivo de transmitir às crianças, e principalmente àquelas que vêm dos meios sociais menos favorecidos, o legado das disciplinas que compõem o currículo escolar. 

Professor não é mediador. Professor é vetor: portador e condutor do conhecimento. Mas o professor hoje é instado, veementemente, a menosprezar o seu papel. Fico impressionada como certas frases absolutamente banais são aplaudidas e alçadas a princípios pedagógicos inquestionáveis. A educação vive o império do sentimentalismo ilógico. Menos do que a assumir de mangas arregaçadas a tarefa de ensinar, o professor hoje é convidado a “aprender enquanto ensina”, a ver “o aluno como protagonista do seu próprio processo de aprendizagem”, e a si mesmo, antes de tudo, como um “agente de transformação social”. 

A primeira frase é de uma banalidade extrema. Toda e qualquer profissão, sem nenhuma exceção eu diria, traz no processo de seu exercício a possibilidade de se aprender alguma coisa e sempre mais. Um médico aprende a ser melhor médico na medida em que interage com seus pacientes, ou seja, na medida em que exerce a medicina. Do mesmo modo, um engenheiro, um cantor, um entregador de pizzas, um policial… E, se somos inteligentes, aprendemos a ser pessoas melhores na medida em que colecionamos experiências de vida. Nesse sentido, com o passar dos anos, um professor aprenderá a ser melhor professor. Qual é a novidade? Agora, se essa frase quer dizer que um professor de matemática aprende a fazer cálculos com seus alunos, a ideia deixa de ser banal para ser absurda, e não há nem o que comentar…

Também é um truísmo dizer que o aluno é o protagonista de seu processo de aprendizagem: se não fosse o aluno o protagonista da aprendizagem, quem seria? É em torno do aluno que se tece a trama do aprender, do mesmo modo, eu diria, como é em torno do professor que se tece a trama do ensinar. Mais uma obviedade piegas.

Já a terceira frase está na fronteira entre a megalomania e a tirania. Professor agente de transformação social? Há aqui dois problemas. O primeiro é ético. Se o professor for pensado como um agente de transformação social, o aluno será pensado como um instrumento político. Tratar alunos, ou qualquer outra classe de pessoas, como instrumentos, não me parece muito bonito. O segundo problema é que, antes de visar a qualquer transformação social, o professor deveria, isso sim, visar à transformação pessoal do aluno. Sua obrigação primeira é com a criança ou o jovem que está sentado à sua frente, mente e coração abertos para ouví-lo.  

Os pais matriculam seus filhos na escola porque entendem que o professor será capaz de lhes ensinar aquilo que eles próprios, por falta de qualificação ou por força das circunstâncias, não são capazes de ensinar. O que eles desejam, para os filhos, é a transformação interna que se dá quando todo aquele que ignora ou desconhece alguma coisa passa a saber ou a conhecer. Em suma, os pais acreditam que o professor pode ajudar seu filho a se tornar uma pessoa instruída nos saberes escolares. Em que momento a sociedade deu à escola a autorização para transformar o aluno em um instrumento de transformação social no sentido político do termo? Famílias de camadas médias e altas têm a possibilidade de escolher a escola de seus filhos de acordo com a sua visão de mundo e de educação. Mas o que dizer dos mais pobres, que precisam recorrer à escola pública? Alguém lhes perguntou que papel eles conferem ao professor?

A escola moderna, como instituição, nasceu de um esforço de universalizar a transmissão do legado de gerações e gerações de pessoas sábias e esforçadas, célebres ou anônimas, que souberam dedicar a sua vida à construção de uma civilização em que os saberes são oferecidos a todos os indivíduos sem que eles precisem fazer parte de sua concepção e produção. Como já havia dito o Abade de Clunny, em outros tempos: “Somos anões no ombro de gigantes.” E os professores, o que eles são? Nada menos do que a nossa escada.

Diante disso, conceber o professor como um mero mediador é tirar da criança a vantagem que ela possui por ter nascido hoje, e não ter tido ela mesma que inventar a roda ou a teoria dos números. Quaisquer que sejam os métodos empregados, sejam mais ou menos ativos do ponto de vista da criança, o professor jamais será um mero mediador. Ele precisa estar ali, com a sua presença, a sua voz, a sua qualificação. E isso não só porque é seu ofício e seu dever ensinar o que sabe, mas também porque é na relação entre professor e aluno que se produz a centelha do verdadeiro aprendizado.

A relação entre professor e aluno é uma relação pessoal. O bom professor é capaz de se colocar no lugar do aluno, identificar-se com ele, ajustar-se ao seu ponto de observação e, ali estando, buscar o melhor meio de levá-lo a aprender. E, para fazer isso, ele precisa mobilizar não só o seu conjunto de saberes, mas também o seu repertório de qualidades humanas, tudo isso emoldurado por um genuíno entusiasmo pelo conhecimento. Sim, porque é o próprio conhecimento que deve estar no centro. É o conhecimento – que será transmitido pelo professor e assimilado pelo aluno, nos dois casos de maneira personalizada, pois não poderia ser de outro modo – o valor a ser perseguido. Perdendo-se isso, perde-se tudo. Quando o conhecimento – no sentido do patrimônio de saberes que hoje se veem distribuídos e organizados em disciplinas – deixa de ser o principal bem a ser oferecido pela escola, abrimos mão do essencial para ficar com o acessório. E tudo passa então a ser política.

Todos nós já tivemos oportunidade de constatar, com nossa própria experiência, que se aprende melhor com professores que admiramos por seu saber e por suas características pessoais. O aluno percebe quando o professor não domina o seu conteúdo, ou não sabe ensiná-lo. Uma escola pode ter os melhores materiais, as mais avançadas tecnologias e métodos; se não tiver bons professores, com pleno domínio de suas matérias, professores admiráveis, capazes de servir de modelo e de referência, a verdadeira aprendizagem não acontece. 

Ensinar é fazer compreender. E a experiência de aprender com um bom professor será sempre muito mais rica. Nenhum material bibliográfico ou concreto pode substituir o verdadeiro mestre. Simplesmente porque vai faltar aquele elemento humano, o olho no olho, a relação, a vontade de imitar, de chegar perto de onde ele chegou. Nenhuma criança vai mimetizar um autor que nunca viu ou uma placa de material dourado de madeira. O aluno só precisa acreditar que vale a pena saber as coisas que o seu professor sabe. Porque o conhecimento pode ser, por si só, um motivo de alegria e de satisfação.

        *          *          *

Imagem:

Albert Bettanyer, “Les taches sombres.” 

 

    *          *          *

Artigos relacionados:

Para que serve a escola?

A escolha da escola de educação infantil: critérios incontornáveis

A escola de Ensino Fundamental: alguns cuidados na hora da escolha

 

 

 

 

 

A educação da afetividade nos primeiros anos de vida

O conceito de educação que baseia o meu trabalho, no blog e nas redes sociais, tem como referência iluminadora a tradição clássica, não tanto em seus métodos, mas em sua motivação principal, que é a de colocar a criança ou o jovem no caminho da autoconsciência e da excelência moral. Nesse sentido, minha perspectiva se distancia tanto de uma visão pragmática de educação, centrada na ideia de utilidade, quanto de uma visão libertária, centrada na ideia de auto-satisfação individual. Ambas são, a meu ver, demasiadamente medíocres em seus objetivos. Devemos almejar mais do que isso.

É, portanto, tendo em vista a busca da excelência moral que se deve entender a minha formulação, já tantas vezes reiterada, de que “educar uma criança não consiste em dominar a sua natureza, e sim em conduzi-la, sempre e incansavelmente, para a frente e para o alto, ou seja, para o melhor de si mesma”.

Mas como colocar em ação esse projeto de educação nos primeiros anos de vida? O que significa exatamente educar para a excelência moral em período de tamanha imaturidade? Em primeiro lugar, é preciso compreender que a excelência moral não é um ponto de chegada, que possamos descrever ou caracterizar previamente, e de maneira substantiva. Ela deve ser, antes, um norte, uma direção, que imprimimos à educação da criança sem deixar de levar em conta a sua própria individualidade. No sentido educacional, a excelência moral será específica para cada pessoa. E, para ajudarmos a criança a encontrar o seu caminho, devemos começar pela base, pelo plano dos afetos.

Na fase de extrema dependência que se estende do nascimento aos seis anos de idade, a preocupação fundamental de quem educa deve ser com a organização da afetividade da criança. Nesse período, todos os outros objetivos educacionais – aprendizagens sociais, formação de hábitos, construção do imaginário, desenvolvimentos cognitivo – devem estar subsumidos no objetivo de ajudar a criança a construir um caminho interno que a leve gradativamente a conhecer os seus afetos e a manejá-los de forma relativamente segura. Isso tudo, é claro, respeitando pacientemente os limites impostos pela sua imaturidade.

A organização afetiva é parte integrante do processo de amadurecimento e, sendo assim, não podemos ajudar a criança pressupondo uma maturidade que ela ainda não possui. A natureza faz a sua parte, predispondo a criança à maturação, mas cabe aos educadores colaborarem ativamente com o processo de organização dos afetos, de modo que ele se integre ao desenvolvimento da linguagem, da memória, do imaginário e da volição. Em outras palavras, de modo que ele se integre a um quadro cultural e existencial mais amplo.

A criança pequena é governada pelos seus afetos, e esses costumam se expressar por meio das emoções correlatas. Entendo por “afetos”, aqui, as disposições internas que determinam o modo como a criança será afetada pelas informações e estímulos que colhe do mundo. Essas disposições têm base em sua própria constituição individual e nas experiências que ela já viveu. A “afetividade” seria o sistema, a configuração resultante do modo como os afetos estão organizados no psiquismo da criança. E as “emoções” seriam as expressões psicofísicas do fato de ela estar sendo afetada por algo. Antes de prosseguir, é importante esclarecer que apresento essas definições de maneira bem livre, e faço uso delas do modo que me parece mais útil para o nosso propósito, que é o de compreender como podemos ajudar no processo de organização da afetividade infantil.

Então, voltando ao nosso ponto: nessa definição, os afetos são tudo o que a criança pequena possui para receber e absorver as impressões que lhe chegam do mundo, e que ela expressa por meio das emoções. Para conhecer a vida afetiva da criança, é fundamental, assim, que prestemos atenção à sua vida emocional. As emoções são os elementos observáveis, materializáveis, a partir dos quais poderemos de fato atuar. E, inicialmente, para ajudar a criança em seu processo de organização afetiva, é preciso começar pela observação das emoções mais básicas. Do que ela gosta, e do que não gosta? O que a faz ficar triste ou alegre? Do que tem medo? O que desperta a sua raiva? Ajudar a criança a transitar no território dessas emoções é dar os primeiros passos na direção do autoconhecimento, da compreensão de si mesma.

Resumindo, podemos dizer que auxiliar a criança em seu processo de organização afetiva consiste em ajudá-la a conhecer as suas emoções, nomeá-las, identificar as suas causas, a sua origem, e conectar esse conhecimento à sua capacidade de decisão. No decorrer das interações cotidianas, devemos mostrar à criança, suave e naturalmente, que existe a possibilidade de exercer um domínio relativo sobre as suas emoções, ou, pelo menos, de manejá-las de maneira consciente e equilibrada, frente aos limites inevitáveis apresentados pela vida. Tais limites podem ser postos tanto pela própria estrutura da realidade, quanto pela ação dos pais no exercício de sua autoridade. Em ambos os casos, a criança deve aprender a aceitar esses limites e a manejar conscientemente as emoções decorrentes dessa aceitação.

A partir dos dois anos, e ao longo de toda a fase pré-escolar, é importante que a criança comece a ser apresentada a noções básicas de moralidade, que a ajudem a diferenciar o que é certo do que é errado, o que é justo do que é injusto, o que é adequado do que não é. Esse é o momento de começar a ouvir histórias que distingam o Bem e o Mal de maneira inequívoca, por meio de personagens claramente definidos desse ponto de vista. O discernimento psicológico da criança pequena é demasiadamente primitivo para que ela seja capaz de entender as complexidades da alma humana sem prejuízo do seu desenvolvimento moral.

Por fim, a criança, nessa fase, também deve ser estimulada a exercitar a capacidade de se colocar no lugar dos outros, a entender que não deve fazer com ninguém aquilo que não gostaria que fizessem com ela própria, ou seja, a desenvolver aquela atitude moral que costumamos chamar de “empatia”. Isso tudo será fundamental para que ela se torne capaz de lidar com as suas próprias frustrações e desenvolver o senso de dever.

Para que todo esse trabalho de organização da afetividade possa se realizar de maneira consistente e sem grandes tropeços, é preciso contar com uma condição básica. A criança precisa se sentir amada e protegida. Em dois artigos aqui no blog, mostrei que o amor dos adultos é a base sobre a qual ela se apoiará para dar os primeiros passos na direção de todas as aprendizagens que a vida vai lhe impor, começando pela organização da vida afetiva. (Leia A Importância do Apego e O Apego na Primeira Infância)

Tudo o que estou sugerindo pode parecer grave demais para uma criança de três, quatro anos. Mas não se trata de passar o dia inteiro chamando a atenção da criança para suas emoções, fazendo-a hiper consciente de si mesma o tempo todo. Trata-se, simplesmente, de não deixar passar as ocasiões que a interação cotidiana oferece para ensiná-la a se conhecer e a encontrar os seus pontos de equilíbrio. Também não estou dizendo, notem bem, que os pais têm o poder de organizar os afetos dos filhos. O processo de organização afetiva é algo que pertence à criança e que ela precisará administrar ao longo de toda a sua vida. A nossa responsabilidade, repito, é apenas a de auxiliá-la, ajudando-a a enquadrar a sua afetividade num ambiente moral mais amplo. 

A partir dos sete anos, aproximadamente, uma criança afetivamente bem cuidada e provida já estará em condições de dar alguns passos mais largos. Nesse momento, com a afetividade já organizada ainda que em um nível primário, o foco da educação dos afetos deve mudar um pouco. Não será uma mudança radical, apenas um deslocamento de ênfase. Uma vez que a criança já adquiriu as noções básicas de certo e errado, compreendeu que as coisas nem sempre podem ser do modo como ela deseja, e já percebeu que pode ter alguma ingerência sobre as suas próprias emoções, o processo de educação moral deve então ser infletido na direção da capacidade de agir no mundo. O ambiente da família, que é vivenciado pela criança como uma extensão afetiva de si mesma, continuará sendo por muito tempo o seu porto e o seu refúgio, mas agora ela precisa ir ampliando os seus horizontes de maneira gradativa e segura.    

Nessa nova fase, a criança deve então ser encorajada a desenvolver capacidades de ação, força e resistência para transitar em círculos sociais mais amplos, menos protegidos de maneira imediata pelos pais. Na escola de ensino fundamental, por exemplo, ela será confrontada com novas exigências, bem mais próximas das exigências da vida futura, e precisará desenvolver a sua força de vontade, a sua resiliência. É no contato com o mundo que será permanentemente animada e testada a sua fortaleza. E se o trabalho de organização da afetividade tiver sido bem conduzido nos primeiros anos, ela já terá meio caminho andado nesse sentido. A capacidade de lidar com as frustrações, de adiar o prazer, e de prever e manejar as suas próprias reações diante das intempéries do cotidiano social, representa uma mão na roda quando a criança começa a se deparar com a necessidade de se esforçar para superar obstáculos e fazer as suas primeiras conquistas realmente pessoais.

Para finalizar, tentando fechar o raciocínio, volto então à questão da excelência moral, com a qual iniciei esse artigo. Nós, pais, costumamos nos perder com muita facilidade ao longo da trajetória de condução de nossas crianças. São muitas as hesitações com as quais nos deparamos no meio do caminho, e que nos levam a duvidar de nossas próprias escolhas educacionais. O meu conselho é o seguinte. Mantenha o foco na formação da pessoa de seu filho. O que ele vai realizar, o que ele vai conquistar, depende fundamentalmente do modo como vai exercer a sua própria liberdade no momento oportuno. Não cabe a você decidir. Por isso, tenha sempre em mente que o que realmente importa é a sua qualidade moral, a sua força pessoal. De nada serve uma inteligência brilhante, uma cultura grandiosa, uma instrução impecável, sem autoconsciência e auto domínio. E isso porque o desenvolvimento moral não se refere somente ao discernimento entre o Bem e o Mal. Ele se refere, sobretudo, à nossa capacidade de colocar uma certa noção de Bem acima de nossos desejos e interesses individuais. Essa capacidade é o único sinal inequívoco de uma educação elevada.  

* * *

Imagem: Donald Zolan (1937-2009)

A escola de Ensino Fundamental: alguns cuidados na hora da escolha

Na hora de escolher a escola de primeiro ano para o seu filho, a primeira preocupação deve ser a de discernir qual é o compromisso fundamental da instituição: transmitir conhecimento ou “transformar a sociedade”? Se for transformar a sociedade, elimine de seu leque de opções. Concentre-se nas outras. Explico por quê.

Dificilmente se encontrará hoje em dia uma escola (elas existem, mas são muito poucas) que não traga em sua carta de apresentação, por exemplo, frases como “formar cidadãos críticos”, “atuantes na sua comunidade” e coisas do tipo. Essas frases não são problemáticas em si mesmas e até soam bonitinhas. Quem não quer que seu filho se torne uma pessoa com capacidade crítica e apta a atuar de maneira positiva para melhorar a vida de sua comunidade ou sociedade? Mas o ponto crucial é precisamente a visão da escola acerca de como se forma o tal do espírito crítico. Em geral, quando a escola se coloca essa tarefa em primeiro lugar, é porque entende como “espírito crítico” uma visão de mundo e de sociedade já formatada e que será passada ao aluno sem que ele próprio tenha acesso, justamente, aos meios de criticá-la. Como formulou, com precisão, Catherine L´Eccuyer:

“É curioso que, embora haja uma obsessão para que os alunos sejam ´críticos`, tenhamos tanta alergia à transmissão de critérios. É quando o espírito crítico se torna um espírito caprichoso.”

Sim, pois não pode haver espírito crítico sem transmissão de critérios. E os critérios são formados ao longo dos anos escolares com base na aquisição de um patrimônio de conhecimentos que, por sua vez, se formou ao longo de séculos de trabalho intelectual abrangente e heterogêneo. Quando a escola se compromete com a formação de um espírito crítico sem comprometer-se, antes e sobretudo, com a transmissão desse patrimônio intelectual milenar, isso significa que ela está disposta a doutrinar seus alunos, ou seja, a transmitir a eles somente um tipo de critério, a corroborar apenas uma determinada visão de mundo e de sociedade. Em outras palavras, ela está disposta a alistá-los politicamente, a cercear na base a sua liberdade intelectual, a tratá-los como massa de manobra. Isso é o que acontece em boa parte das escolas de Ensino Fundamental hoje em dia. Os alunos saem da escola sem saber quem foi Camões, o escritor mais importante da língua portuguesa, mas perfeitamente encorajados a emitir sua opinião sobre processos políticos complexos sobre os quais não seriam capazes de responder três perguntas objetivas.  

Escolher a escola de Ensino Fundamental é bem mais difícil do que escolher a escola de Educação Infantil. No caso dessa última, os critérios são visíveis e quantificáveis (vejam o meu artigo sobre esse assunto). Já para a escolha da escola de 1º ano, você vai precisar usar a sua intuição, ler nas entrelinhas, perceber as motivações profundas envolvidas na prática pedagógica. Isso não é fácil. Por isso, a primeira providência é baixar as expectativas, controlar a ansiedade e observar tudo isso de um ponto de vista bem realista: a escola que você escolher não precisa ser a escola da vida inteira. A qualquer momento, você pode mudar de ideia e escolher outra, buscando aproximar-se cada vez mais de uma escolha correta, entendendo aqui como correta a escolha de uma escola que prioriza a transmissão de conhecimentos e a formação de um aluno que seja, ao fim do processo, capaz de pensar por si mesmo, e não saia simplesmente repetindo o jargão ideológico de seus professores.

Mas, para além da questão ideológica, existe ainda a questão da ordem e da disciplina. Uma escola sem ordem e sem disciplina pode, dependendo das circunstâncias, tornar-se uma fábrica de delinquentes. Crianças e jovens precisam de limites e de modelos dignos de autoridade. Além disso, sem ordem e sem disciplina a transmissão eficiente dos conhecimentos escolares se torna algo simplesmente impossível. E existem alguns critérios de que você pode lançar mão para tentar perceber se uma determinada escola está de fato estruturada de modo que o fluxo dessa transmissão se dê de maneira razoavelmente sólida e segura.

Primeiro ponto a ser observado: a escola possui uma carta disciplinar, ou seja, um conjunto de normas formuladas de maneira clara e sólida?  As regras de convivência são apresentadas de maneira explícita, bem como os mecanismos de correção e sanção a quem as desrespeitar? A autoridade do professor é garantida pela direção da escola? O que acontece com um aluno que xingar o professor, ou colocar um prego na cadeira do colega? A gestão dos conflitos é feita de forma a garantir aos alunos e professores, prioritariamente, um clima propício à aprendizagem? Se a escola não garantir que o ambiente escolar seja minimamente civilizado, todo o processo de transmissão de conteúdos fica prejudicado. A sala de aula precisa ser, no mínimo, um espaço seguro e organizado.

Segundo critério: a escola possui uma estratégia clara de avaliação da aprendizagem dos alunos? Essa estratégia é posta em prática de maneira regular e contínua? A avaliação é parte fundamental do processo de ensino e aprendizagem. Quando estamos falando de escola, ou seja, de uma transmissão de conhecimento em massa, não há como ter segurança a respeito do sucesso da aprendizagem sem mecanismos de avaliação regulares, e perfeitamente quantificáveis. A avaliação não diz respeito somente a testes e provas, principalmente se estamos falando dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Por exemplo, os cadernos dos alunos são vistos pela professora? Os trabalhinhos de casa são corrigidos? Os erros são somente apontados ou os alunos são levados a refazer o exercício e a consertá-los?  

Por fim, um terceiro critério: o sucesso acadêmico dos alunos da instituição. Procure saber se as crianças e jovens da escola prospectiva estão de fato aprendendo os seus conteúdos. Se for possível, peça para ver os cadernos. Mais importante que tudo, procure saber se os alunos dos anos mais avançados possuem uma escrita correta. Uma escola que se preza precisa se preocupar em ensinar corretamente a seus alunos a língua portuguesa, pois o conhecimento profundo de sua própria língua é o recurso mais relevante para que uma pessoa seja capaz de aprender com autonomia e se expressar com verdadeira liberdade.  

Perdoem-me se esse artigo for um pouco decepcionante, na medida em que não oferece a vocês uma lista de critérios perfeitamente observáveis em uma mera visita oficial à escola. Quadras poliesportivas, instrumentos tecnológicos, convênios com instituições internacionais, tudo isso é muito bom, mas acessório. Uma boa escola é aquela que valoriza o patrimônio de conhecimentos universais acumulados pelas gerações anteriores e estimula o desenvolvimento de habilidades que permitam o seu manejo inteligente e pessoalizado. E, para isso, basta uma sala de aula silenciosa e segura, e um professor bem preparado, bem intencionado e que valorize o conhecimento não como um instrumento político, e sim como um bem inalienável e precioso por si mesmo.

* * *

Imagem:

Jean Geoffroy, “En classe, les travail des petits”

* * *

Artigos relacionados:

https://infanciabemcuidada.com/2018/05/19/para-que-serve-a-escola/

https://infanciabemcuidada.com/2020/04/08/a-escolha-da-escola-de-educacao-infantil-alguns-criterios-incontornaveis/

A escolha da escola de educação infantil: critérios incontornáveis

Até os cinco anos de idade, o que a criança precisa é de acolhimento individualizado, tratamento cuidadoso e paciente, que respeite o seu temperamento e o seu ritmo próprio de desenvolvimento. E carinho, muito carinho. Nesse sentido, a escola deve de certa forma mimetizar o ambiente doméstico, como se fosse uma segunda casa para a criança. É fundamental que ela perceba que será cuidada e atendida em todas as suas necessidades.

A apresentação de conteúdos próprios à faixa etária, o estímulo ao desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais, a introdução à arte e à literatura, e o treinamento para as atividades de vida diária, que são parte integrante dos currículos da educação infantil, devem ser realizados, sempre, de modo a respeitar duas necessidades básicas da criança pequena – a de se sentir segura e a de ter liberdade para brincar.

Por isso, dois elementos fundamentais a serem pesquisados na hora de escolher uma escola de educação infantil são o espaço físico e o número de adultos por criança nas turmas. Em escola alguma a criança terá um atendimento tão individualizado como o que ela tem em casa, mas o número de adultos por criança numa escola é um indicativo seguro da disposição da escola de tratar as crianças com o cuidado necessário. E o espaço físico é importante por motivos óbvios: crianças pequenas precisam se movimentar, correr, desenvolver suas habilidades motoras. E isso, evidentemente, em um ambiente limpo, arejado e bem organizado.

Quando chega a idade de entrar na escola de ensino fundamental, a perspectiva deve ser outra. Nessa fase, a criança já estabeleceu, ou já deveria ter estabelecido, vínculos seguros com os pais e com outros adultos cuidadores, já confia na possibilidade de ser cuidada fora de casa, e já está mais preparada para ampliar o seu círculo de relações sociais e explorar novos ambientes. Sempre, é claro, sob a supervisão de adultos responsáveis e bem treinados.

Os critérios para a escolha da escola de ensino fundamental serão abordados em outro post.

* * *

Artigos relacionados:

https://infanciabemcuidada.com/2018/05/19/para-que-serve-a-escola/

https://infanciabemcuidada.com/2020/04/08/a-dificil-escolha-da-escola-de-ensino-fundamental/

Autoridade: como entender e como exercer?

A dificuldade enfrentada pelos pais atuais para conduzir, de maneira firme e consciente, o processo de formação da pessoa dos filhos, nada mais é do que o efeito de uma crise de autoridade, que possui raízes intelectuais e culturais muito longínquas, e vem sendo aprofundada ao longo das últimas duas gerações. A análise desse processo mereceria um artigo inteiro. Neste texto, porém, quero apenas esclarecer a minha visão acerca da natureza e da função daquilo que chamamos de autoridade parental, e dar algumas indicações sobre as boas maneiras de exercê-la.

Educar uma criança é conduzi-la para fora de si mesma, de modo que ela desenvolva as suas melhores possibilidades pessoais na direção da bondade, da beleza, da justiça e da verdade. Para percorrer essa trajetória, que, sabemos, nunca será perfeitamente regular e retilínea, a criança precisa da ajuda do adulto. Sozinha, ela não conseguirá superar os seus próprios limites, controlar as suas más inclinações, transcender a perspectiva auto-referenciada característica do psiquismo infantil, para ajustar o seu caminho de modo a seguir sempre para a frente e para o alto.

Orientar a criança é dever intransferível dos pais. Com pouco tempo de vida, a própria criança já percebe a sua imaturidade e incapacidade de lidar com a realidade que a cerca. Ela logo se dá conta do quanto precisa de nossa mão experiente para guiá-la em seu percurso, e isso a predispõe, de saída, a aceitar, e mesmo a ansiar, pela autoridade dos pais. O diferencial, o que vai ser decisivo para que a percepção, por parte da criança, de sua própria fragilidade ontológica, seja transformada de fato em uma disposição para ouvir e seguir a orientação do adulto, é o modo como nos comportamos diante dessa tarefa. 

Para que esse processo de orientação e condução se torne mais fácil e suave, devem ser preenchidas duas condições básicas, relacionadas estritamente à conduta dos pais. Em primeiro lugar, é preciso que tenhamos segurança e firmeza. A segurança nasce da consciência da importância de nosso papel, e da aceitação de nossa grande responsabilidade, com todo o peso que ela possui. E a firmeza, por sua vez, se estabelece à medida em que conseguimos ter uma visão clara de nossos objetivos, ou seja, de onde queremos chegar. A outra condição é a nossa capacidade de oferecer bons exemplos para os nossos filhos, começando, obviamente, com o nosso próprio exemplo.

O adulto será, portanto, uma figura de autoridade, quanto mais ele puder ser percebido pela criança como um farol e um modelo, como alguém que ao mesmo tempo lhe sirva de guia e lhe desperte o impulso de se espelhar. É nesse sentido, portanto, que podemos dizer que, para uma educação norteada pelo desenvolvimento das virtudes, a autoridade emanará da própria virtude, da habilidade do adulto em demonstrar à criança o quanto ele é capaz de ser equilibrado, forte, justo, prudente.

Isso significa que todo bom educador é um adulto perfeitamente virtuoso? Claro que não, pois esse adulto perfeitamente virtuoso não existe! Mas significa, isso sim, que precisamos perseguir essas qualidades a todo custo, e colocá-las a serviço de nossa relação com a criança. O que vamos oferecer à criança, para que ela cresça, não é um conjunto pronto e objetificável de regras e modos de proceder. O que vamos oferecer a ela é, antes de mais nada, uma relação, na qual a criança poderá se apoiar para se tornar a melhor versão de si mesma.   

Essa forma de relação que construímos com a criança, para que ela se desenvolva na direção certa, será necessariamente uma relação assimétrica, em que um polo (o nosso) terá ao mesmo tempo mais poder e mais responsabilidade. E, para que essa relação de fato ajude a criança em sua trajetória, duas coisas se fazem necessárias. A primeira delas é a atenção. Se não prestarmos atenção em nossos filhos, se não os conhecermos, não seremos capazes de orientá-los da maneira certa e no momento certo. A segunda é a aceitação. Nossos filhos precisam estar sempre seguros de que nós os amamos do jeito que eles são, e de que embora estejamos aqui para ajudá-los a se desenvolverem em uma certa direção, isso não significa de modo algum que não sejamos capazes de aceitá-los incondicionalmente. Sentindo-se atendidos e aceitos, eles poderão repousar em nossa autoridade, para manejar com relativa tranquilidade seus próprios limites, dificuldades e más inclinações, e assim seguir adiante no processo de crescimento pessoal.

Acontece, porém, que mesmo que a nossa autoridade seja de fato apoiada em atitudes de justiça, prudência, bondade e equilíbrio, a criança nem sempre vai ter vontade de obedecer, simplesmente porque é da natureza da criança resistir, reagir – algumas mais, outras menos. As qualidades dos pais, por melhor que sejam, não representam uma garantia para o exercício da autoridade. Elas são, antes, o seu fundamento, o solo seguro no qual podemos exercer a nossa autoridade sem hesitação. E muitas vezes, para que nossa atuação seja eficaz, precisaremos estar preparados para conduzir ativamente a criança, levando-a a obedecer, a despeito de ela ser tomada, eventual ou frequentemente, pelo impulso de resistir.

Existe um saber bem consolidado a respeito de como levar a criança a obedecer sem desrespeitar a sua individualidade e quero indicar aqui um livro que me parece bastante completo nesse sentido. Trata-se de Carinho e Firmeza com os Filhos, do psiquiatra e psicoterapeuta Alexander Lyford-Pike, publicado em 2003. Nesse livro, Lyford-Pike nos ensina, tecnicamente, como estabelecer com nossos filhos uma comunicação eficaz, que iniba as más condutas, corrija as recalcitrâncias, e os leve a perceber que nossos atos sempre têm consequências. Não deixe de ler esse livro! Ele vai lhe ajudar a exercer a sua autoridade com paciência e segurança, sem nenhum receio de que ela possa se confundir com desrespeito e autoritarismo. 

***

Imagem:

Vickie Wade, Father and Son First Bike Ride